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O Ministério Público Federal (MPF) apresentou contrarrazões às apelações feitas pela União na bojo da ação civil pública, que tem como objetivo principal, entre outros, o fechamento do traçado da BR-158 que corta a Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante, em Mato Grosso. Apesar de a União ter recorrido da decisão judicial, proferida em março, entende o MPF que houve a aceitação da sentença a partir de manifestações públicas, tanto do presidente da República, Jair Bolsonaro, quanto do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, sem nenhuma reserva, configurando atos incompatíveis com a vontade de recorrer.
Para o MPF, no caso do trecho da BR-158, que corta a Terra Indígena Marãiwatsédé, deve ser aplicado o artigo 1000, do Código do Processo Civil (CPC), que prevê que “a parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer”, e completa em seu parágrafo único que, “considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer”.
O MPF apontou que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em reunião com a bancada federal de Mato Grosso, em março deste ano. Conforme publicado no portal de notícias G1, Freitas fez a previsão para o início da obra de pavimentação da BR-158 no começo de 2022. E, afirmou que o “trajeto definitivo será circundando a Terra Indígena Marãiwatsédé, também conhecida como Suiá-Missú, ao invés de cortar o território, como previsto inicialmente. A decisão visa evitar uma longa batalha para conseguir o licenciamento ambiental para atravessar a TI”.
Além disso, o MPF colacionou uma postagem feita no perfil do próprio Presidente da República, no Instagram. No post do dia 7 de março deste ano, o Presidente Jair Messias Bolsonaro se manifestou da seguinte forma: “- A BR 158 e a Reserva indígena Marãiwatsédé em Mato Grosso. – A Justiça Federal proibiu o asfaltamento do trecho de 110 km da BR-158 que passa pela Reserva. – Sendo assim seremos obrigados a fazer um contorno de 190km. O início das obras, por necessidade de outras licenças, somente deverá ocorrer em 2022. – Por ocasião das safras a BR-158 chega a movimentar, por dia, 2.000 bi-trens com 70 toneladas cada. (…)”. Disso se conclui que houve aceitação tácita da sentença, o que é incompatível com o interesse recursal manifestado pela União na apelação interposta.
Diante dos fatos, para o MPF o recurso não deve ser conhecido e se conhecido deve ser improvido.
Entenda o caso – Em Julho de 2019, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra o Ibama, o Dnit e a União que tinha como objetivo fechar o traçado da BR-158 que corta a Terra Indígena Marãiwatsédé, no prazo de um ano após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária de R$ 50 mil em favor da comunidade indígena Xavante. Também foi solicitado que o Ibama não emitisse licenças a quaisquer empreendimentos que adentrasse na TI, além de apresentar o Plano Básico Ambiental assegurando a adoção de medidas mitigatórias e compensatórias, decorrentes do uso do trecho que atravessa a reserva, entre outros.
Em março deste ano, a Justiça Federal em Barra do Garças atendeu parcialmente os pedidos do MPF, determinando à União e ao Dnit que não pavimentassem o trecho da BR-158 que corta a terra indígena; iniciassem, de forma urgente, as obras do traçado leste da BR, respeitando as aldeias antigas, cemitérios e demais locais sagrados para a comunidade indígena; reflorestar o leito original da rodovia no momento em que o trânsito puder ser desviado, bem como reparar os demais danos decorrentes dessa estrada; promover o fechamento do trecho que corta a terra indígena assim que o traçado leste estiver totalmente concluído; apresentar no prazo de 18 meses o Plano Básico Ambiental e o Estudo de Componente Indígena, como condicionante para a licença de instalação. Quando ao Ibama, foi definido que o órgão não poderia expedir licença ambiental quanto ao trajeto que corta a TI Marãiwatsédé.
Inconformados com a sentença, a União e o Dnit entraram com recursos de apelação no procedimento judicial.
BR-158 e a TI Marãiwatsédé – A BR-158 é uma “rodovia longitudinal federal, com extensão total de 3.961,4 km, atravessando os Estados de Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde encontra seu término na fronteira com o Uruguai, no município de Santana do Livramento”.. O traçado original do empreendimento em questão segue trecho que atravessa o estado de Mato Grosso, mais especificamente a região nordeste, pelo interior da Terra Indígena Marãiwatsédé.
A T.I. Marãiwatsédé foi declarada de ocupação tradicional pela Portaria 363, de 01/10/93 do Ministro da Justiça e homologada por decreto do Presidente da República em 11/12/1998 (DOU de 14/12/98), com 165.241 ha localizada em parte dos municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia.
Somente em 2014, após intensa disputa judicial, a comunidade indígena passou a exercer a posse da área demarcada, mas a imensa degradação ambiental perpetrada pelos invasores mediante a expansão de plantações mecanizadas, abertura de estradas, impactou profundamente a sobrevivência do grupo, segundo seu modo de vida tradicional. Houve com isso uma significativa redução da diversidade ambiental, em especial no que se refere à presença de animais de caça e certas plantas, raízes e tubérculos tradicionalmente consumidos pelos Xavantes de Marãiwatsédé, afetando diretamente e sobremaneira a dieta da comunidade indígena, que passou a ser cada vez mais dependente de produtos industrializados.
De acordo com o MPF, as provas encontradas nos laudos, perícias e relatórios são contundentes e demonstram os prejuízos da BR-158, no trecho que intercepta a T.I, ao meio ambiente e à comunidade Xavante de Marãiwatséde, conforme elencados no Estudo de Componente Indígena a exemplo da alteração do relevo e do padrão cênico-paisagístico, alteração das propriedades físico-químicas do solo, surgimento e intensificação de processos erosivos, alteração da qualidade das águas superficiais, alteração nos níveis de ruído e alteração da qualidade do ar, alteração da cobertura vegetal na faixa de domínio, exposição dos ecossistemas terrestres e aquáticos a emissões aéreas, resíduos sólidos e efluentes líquidos, alteração no quadro de saúde da população, interferência sobre o patrimônio histórico, arqueológico e cultural, entre outros.